sábado, 19 de março de 2011

Boa festa, Assis Valente

Se estivesse vivo, o compositor baiano Assis Valente chegaria hoje ao seu centenário. Autor que teve músicas gravadas por Carmen Miranda, ele criou o nosso hino natalino, "Boas Festas", e samba como "E o mundo não se acabou"
O bom baiano José de Assis Valente nasceu em 19 de março de 1911, no caminho entre as localidades de Bom Jardim e Patioba, no interior da Bahia. Faleceu no Rio de Janeiro, em 10 de março de 1958. O compositor foi para o lado do silêncio e hoje, certamente, deve estar comemorando numa boa festa no céu, com a sua intérprete preferida, a pequena notável Carmen Miranda. A obra de Assis Valente permanece, até hoje, sendo cantada e regravada pelas gerações que vieram depois de sua morte.

Trajetória
O pesquisador e colecionador de discos de cera da música popular brasileira, Miguel Ângelo de Azevedo, o popular Nirez, é um dos entusiastas da obra do autor do samba "Brasil pandeiro". Segundo ele, atual diretor do Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS), Assis Valente, mesmo não sendo carioca, foi um dos grandes sambistas de sua época. "Ele entrou para a música popular brasileira porque era apaixonado, não só pela intérprete, mas pela mulher, Carmen Miranda. Com o tempo, conseguiu realizar o seu sonho", conta Nirez.

Isso aconteceu, a partir do início da década de 30 quando a Pequena Notável emprestou sua voz para grandes clássicos de com letras e melodias Assis Valente, como "Good by boy", "Etcetera", "Minha embaixada chegou", "Uva de caminhão", "Camisa listrada", "E o mundo não de acabou" e "Recenseamento". Na época, Carmen Miranda tornou-se a cantora que gravou mais músicas do compositor baiano. Ela também foi responsável por projetar suas criações, não só para o grande público brasileiro, mas também nos Estados Unidos.

Recusa
No entanto, a parceria entre Assis Valente e Carmen Miranda não terminou muito bem. Depois de ter feito muito sucesso registrando parte da obra do compositor, a Pequena Notável não quis gravar o antológico "Brasil pandeiro".

Nirez lembra também que, antes desse episódio, o samba "Camisa listrada" chegou a ser gravado pelas Irmãs Pagãs. No entanto, Assis Valente não liberou a versão, esperando que sua interprete favorita o gravasse, como veio a acontecer depois.

No caso da recusa da cantora (portuguesa de nascimento, naturalizada brasileira e famosa nos EUA), Nirez diz que, "apesar deles serem muito amigos, quando ela veio dos Estados Unidos e já estava muito famosa, se negou a gravar o samba ´Brasil pandeiro´, pois o mesmo fazia críticas ao impacto da grande invasão artística, e, particularmente musical da cultura estadunidense no Brasil, tudo em nome do que se chamou da dita, política da boa vizinhança".

O samba só foi gravado um pouco depois. A versão mais antiga é do grupo Anjos do Inferno, conforme lembra o pesquisador cearense.

Quanto ao aspecto da criatividade de Assis Valente como compositor e sobre a importância de sua obra para a música popular brasileira, Nirez é categórico. "Embora, profissionalmente, no início ele tenha sido protético, na época ele se ombreava com os grandes compositores de samba no Rio de Janeiro e acabou se tornando um grande sambista. O suicídio era uma constante em sua vida e terminou morrendo, ingerindo guaraná com veneno", lamenta.

Como os anos 30 são considerados a verdadeira "Era de Ouro" da MPB, Assis Valente é lembrado como um dos grandes deste momento de nossa história cultural. Ao comparar com outros compositores de seu tempo, Nirez "como dois outros que não eram cariocas, os mineiros Ary Barroso e Ataulpho Alves, Assis se destacou bastante. Na minha opinião, talvez o Assis Valente tenha tido uma obra tão criativa quanto os outros que são sempre mais lembrados, como no caso de Noel Rosa. Acredito que o Assis Valente merece tanto destaque quanto o Noel, pois o baiano é também um compositor muito talentoso", defende o admirador.

Era de ouro
Como algumas criações de compositores que se destacaram a partir das década de 30 na música popular brasileira são constantemente regravadas, Nirez lembra que realmente essas canções se tornaram clássicos da MPB. "As músicas das décadas de 30 e 40 continuam atualíssimas e não só as criações de Assis Valente são constantemente cantadas e gravadas até os dias de hoje. Entre outros, Ataulpho Alves também é um compositor que sempre tem suas músicas registradas", aponta.

Além de Carmen Miranda, também gravaram composições de Assis Valente em sua época Araci Cortes ("Tem francesa no morro"); Bando da Lua ("Maria Boa"); o quinteto cearense Quatro Ases e um Coringa ("Boneca de pano"); Aracy de Almeida ("Fez bobagem"), composta depois da segunda tentativa de suicídio do autor baiano; Moreira da Silva ("Prá lá de boa" e "Oi Maria"), entre outras; Aurora Miranda ("Sou da Comissão de frente") e Carlos Galhardo ("Boas festas"), a qual se tornou o hino do natal brasileiro, sendo até hoje cantado nas festas de dezembro em todo o Brasil.

Outro conterrâneo de Assis Valente foi o responsável da revitalização de sua obra para as novas gerações. No começo da década de 70, João Gilberto foi quem apresentou canções como "Brasil pandeiro" e "Boas festas"para Morais Moreira, que as gravou com os Novos Baianos. O baiano também tem músicas gravadas por Adriana Calcanhoto, Nara Leão, Chico Buarque, Maria Bethânia, Olívia Byington e Maria Alcina, só para citar alguns intérpretes.

NELSON AUGUSTOREPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste