quarta-feira, 23 de abril de 2008

Hoje é o dia do Choro!

Há 111 anos, nascia Pixinguinha. Até a biografia de Sérgio Cabral, a data se referia a 1898.

O que seria do choro, da música brasileira, sem Pixinguinha? Certamente, ainda fascinante. Mas muito, muito desfalcada. Há 30 anos, o Projeto Pixinguinha traduziu ao país, junto a “Pixinguinha - vida e obra”, de Sérgio Cabral, um pouco mais da importância deste compositor, instrumentista, arranjador e orquestrador que, sem negar a influência do jazz, em alguns momentos, foi mesmo o grande responsável pela sistematização e afirmação do choro, enquanto uma linguagem de melodia e de improviso com características extremamente brasileiras. A pergunta se refaz: o que seria da música sem Pixinguinha?

Alfredo da Rocha Viana Filho segue reverenciado. A reedição, pela Funarte, da biografia, escrita e atualizada pelo jornalista Sérgio Cabral, é o traço mais nítido da importância de uma trajetória concluída há 35 anos. A entidade é responsável pelo Projeto Pixinguinha, marco da disseminação da música brasileira, cuja continuidade estaria sendo colocada em dúvida. “Um crime de lesa-cultura”, lamenta, em conversa por e-mail, cuja íntegra está ao lado, Hermínio Bello de Carvalho, idealizador e produtor do projeto, parceiro de Pixinga e um dos últimos a falar com ele.

“O Projeto Pixinguinha está mantido e percorrerá todos os estados brasileiros na próxima edição. Os municípios ainda não foram selecionados. Não há previsão de cortes; ao contrário, a previsão de orçamento para 2008, ainda não confirmada, é maior do que a da última edição do Projeto”, esclarece a assessoria de imprensa da Funarte, em consulta a seu Diretor do Centro da Música, Pedro Müller.

Reverências ao santo

Em Fortaleza, Juazeiro do Norte e Sousa (PB), os centros culturais do Banco do Nordeste promovem hoje, às 12h e 18h30, uma série de concertos em reverência ao Dia Nacional do Choro, algo que deveria ser mais um feriado nacional. E que é, coincidência celestial, para os fluminenses, Dia de São Jorge, o “Santo Guerreiro” padroeiro da antiga Guanabara de que falam Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro na letra de “Som de Prata”, que transcrevemos nesta página.

Hoje, então, Fortaleza recebe os sons do Quinteto de Sopros Alberto Nepomuceno, com participação do multiinstrumentista Luizinho Duarte. No Cariri, é a vez dos chorões João Nicodemos e Jair Santos. Em Sousa, o trio Chorisso, de violão, flauta e cavaquinho. Amanhã, à espera do Pixinguinha, prestamo-lhe outra homenagem à data com a apresentação da cantora Fhátima Santos e dos instrumentistas Tarcísio Sardinha (violão), Tito Freitas (piano), Márcio Resende (sax e flauta) e Fernando Tavares (pandeiro). O show “Pixinguinha - linguagem de amor universal” acontece às 20h de amanhã, no Teatro do Centro Dragão do Mar.

São Pixinguinha

Antes de se tornar Pixinguinha, o endiabrado flautista que conquistou o mundo através de algumas viagens a Paris com Os Oito Batutas, fora chamado, familiarmente, de Pinzindim, Pechinguinha, Pixingui e até Carne Assada. Em 1914, editou o tango “Dominante”, sua primeira composição. Logo depois gravaria a polca “Carne Assada”... Há 90 anos, enfrentou a “Espanhola”, devastadora epidemia de gripe que assolou o Rio de Janeiro, trabalhando com o grupo Caxangá, que daria origem aos Oito Batutas, alguns anos depois, mesmo após alguns embates autorais com Sinhô.

Por alegações que vão de problemas dentários a efeitos de sua aptidão para a bebida, trocou a flauta pelo saxofone, no qual manteve-se genial, sobretudo entre as polêmicas parcerias com o flautista Benedito Lacerda, acusado de haver se apropriado de suas composições, em condições duvidosas. Idolatrado até hoje, Pixinguinha partiu no Carnaval de 73, prestes a batizar um afilhado na Igreja de Nossa Senhora da Paz. Sob a bênção de São Jorge, levou sua flauta mais longe.

SOM DE PRATA
Moacyr Luz/Paulo César Pinheiro

Nasceu no Rio de Janeiro
Dia do santo guerreiro
Naquele tempo que passou
Foi o maior mestre do choro
Tinha um coração de ouro
E que bom compositor
Foi carinhoso e foi ingênuo
E na roda dos boêmios
Sua flauta era rainha
E em samba, choro e serenata
Como era doce o som de prata, doutor
Que a flauta tinha
O embaixador dessa cidade
Meu Deus do céu, ai que saudade que dá
Do velho Pixinguinha
Filho da terra de sangue
Sangue de Malê
De uma falange do reinado
Filho de Ogum, de São Jorge, no Batuquegê
De Benguelê, de Iaô
Rainha Ginga
É que sua avó era africana
A rezadeira de Aruanda, vovó
Vovó Cambinda
Só quem morre dentro de uma igreja
Virá orixá, louvado seja Senhor
Meu santo Pixinguinha
E em samba, choro e serenata
Como era doce o som de prata, doutor
Que a flauta tinha
O embaixador dessa cidade
Meu Deus do céu, ai que saudade que dá
Do velho Pixinguinha
Ele é de Benguelê
Ele é de Iaô
É do Batuquegê
Ele é do Reinado
É sangue de Malê
É santo sim senhor

ENTREVISTA: HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO (poeta e compositor)

´O mundo ficaria mais pobre sem a música de São Pixinguinha´

Qual foi seu primeiro contato com Pixinguinha?

Deu-se na casa de Jacob do Bandolim, na década de 50. Ele chegou e logo pediu ´quero um chóps ´ - e é evidente que pedido de Santo não se nega. E foi então que ouvi, pela primeria vez, o ´Lamentos´ - tocado por ele e, acho, também pelo Jacob. Meus sentidos se turvaram.

Em 68, você fez “Gente da antiga”, com ele, Clementina e João da Baiana? Como foi esta reunião de entidades?

Na verdade, até hoje me pergunto por que não chamei também o Donga - um belo amigo. Mas era um disco que aproximava Clementina de outras duas figuras que freqüentaram, como ela, a casa de Tia Ciata. E havia, sobretudo, um repertório que fatalmente se perderia no tempo, caso não fosse logo registrado - já que João e Quelé eram detentores de informações que vinham sendo repassadas por gerações - e a isso chamamos de tradição oral...

Você estava na Banda de Ipanema, quando Pixinguinha morreu. Havia estado com ele na mesma manhã, ao lado do fotógrafo Walter Firmo. O que você se lembra daquele 17 de fevereiro de 73?

Foi uma peça que o destino nos pregou. E, na verdade, Pixinguinha já havia deixado um recado em minha casa, me convidando pro tal churrasco. Só encontrei o recado depois do velório. Fui à casa dele porque me bateu uma enorme saudade do velho - e pedi ao Firmo que não levasse a máquina, veja só. Até hoje nos perguntamos por que fiz isso. Teria sido o último registro, em vida, do Mestre e parceiro. Quando recebi a notícia, corri pra casa do Mauricio Tapajós, onde estava - acho - o pessoal do MPB-4. Foi uma desolação só.

Você esteve diretamente envolvido no lançamento da biografia do Sérgio Cabral e na criação do projeto Pixinguinha. Fala sobre estes dois processos.

Foi bom você me perguntar sobre isso, porque aceitei a curadoria do Pixinguinha mediante a promessa de serem reeditados os projetos Lucio Rangel, de Monografias, e o Radamés Gnattali, de discos paradidáticos. Por enquanto, relançaram 4 títulos do Jota Efegê (que não faziam parte do Projeto), e o livro do Sergio - que, segundo ele, inaugurou sua carreira de biógrafo. Grande biógrafo, aliás.... Corre um boato de que a Petrobras teria cortado a verba do Projeto Pixinguinha para este ano. Seria um crime de lesa-cultura. O Projeto é formador de platéias, oxigena o mercado de trabalho do músico.

E as letras de choro, você que fez “Doce de Coco”, fez com Pixinguinha “Fala Baixinho”, elas continuam sendo muito questionadas? Qual a melhor maneira de lidar com os purismos?

Isso já me incomodou mais. Aantes de mim, o Vinicius já letrara um choro de Nazareth, e o próprio Jacob - a maior autoridade em choro - também fizera uma letra pro ´Ingênuo´, do Pixinguinha. Se alguém trouxer uma procuração do além protestando contra a leitura que fiz pro “Noites Cariocas” e pro “Doce de Coco” do Jacob, que me apresente. A melhor maneira de lidar com os purismos é desafiando-os. Procuro sempre vencer preconceitos. Mas a burrice existe, e é um cancro que não tem remédio...

O que seria da música sem Pixinguinha?

Diria que o mundo ficaria mais pobre sem a música de São Pixinguinha...

Henrique Nunes
Repórter
(Matéria do Jornal Diário do Nordeste 23/04/08 - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=531400)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Tradição No Parque

"Muita gente compara aqui com a Mocinha!", avisa Célia, filha do saudoso Zé Bezerra, que dá nome ao estabelecimento desde os idos da década de 40. E parece mesmo. Um misto de Arlindo e Mocinha, o Bar Zé Bezerra "100% Samba" - antes funcionando só como mercearia - prima pela tradição, que hoje já encontra-se em sua terceira geração. "Isso aqui era do meu avô, a nossa casa é do lado. Então hoje a gente tá levando pra frente o que ele construiu", afirma o neto Marcos Paulo, que faz as vezes de garçom com outros funcionários. Na parede azul, dividindo as atenções com fotos de assíduos freqüentadores/músicos e uma fileira inteira de Ypióca e Sapupara, um espaço reservado para a saudade. Ainda recente, em meio aos santos de devoção. "Minha irmã, Regina, era quem cuidava do bar. É que hoje (29 de outubro) tá fazendo dois meses que ela morreu...", disse com os olhos marejados. "Mas é isso mesmo. Vamo continuar!". No alpendre do Bar Zé Bezerra, pessoas aglomeram-se naquela rua do Parque Araxá sempre aos domingos, de 17h às 20h, "às vezes se estendendo mais um pouco". Reunindo em torno de dez músicos, em sua maioria veteranos, o "cabeça" da turma é o cantor e cavaquinista Carlos Alberto, 54, mais conhecido por Carlão. Ele, mais do que ninguém, reafirma a autenticidade do samba feito no bar. "Aqui vem todo mundo e é na base da livre e espontânea vontade, entendeu? Você não vê um momento de confusão e a nossa base é o chorinho e o samba. Não aceitamos pagode, aquelas danças, aquela coisa, tal... Já sobre Zé Bezerra... "ele era um típico senhor do interior, mas tinha momentos hilários. Era como o seu Lunga, tinha resposta pra tudo!". (Matéria do Jornal O Povo)