sábado, 15 de maio de 2010

Casos e canções

Com 50 anos de carreira, o compositor carioca Paulo César Pinheiro tem mais de mil músicas gravadas. Ele conta agora histórias curiosas, emocionantes e engraçadas de parte delas no livro "Histórias de minhas canções"

Quando ligou no "Jornal Nacional" e viu um grupo de exilados brasileiros dentro de um avião cantando "Tô Voltando", sua parceria com Maurício Tapajós, Paulo César Pinheiro chorou, comovido. Era 1979 e os versos "Pode ir armando o coreto/ e preparando aquele feijão preto/ eu tô voltando" haviam sido compostos não para um hino da anistia, mas como uma celebração da volta de Maurício para casa, morto de saudade da família e dos amigos, depois de uma longa temporada de shows pelo Brasil.

Compositor de mais de 40 anos de carreira, à qual deu início ainda na adolescência, compulsivo e esmerado, letrista prestigiado por Tom Jobim, Baden Powell, João Nogueira e muitos outros companheiros de música e de mesas de bar, Pinheiro tem mais de mil músicas gravadas, parte por cantoras-símbolo de uma época - Elis Regina, Clara Nunes, Simone.

Por trás de algumas delas, estão histórias curiosas, emocionantes, engraçadas. Ele selecionou 65 delas e as reuniu em "Histórias das Minhas Canções", lançamento da editora Leya. Também romancista e poeta, o autor já havia lançado um livro pela editora, "Pontal do Pilar", além de outros doze títulos anteriores.

Pinheiro conta que desde a adolescência, quando começou a compor, ouve: Onde você estava quando compôs tal música? Pensou em quê? A pedido da mulher, a cavaquinista Luciana Rabello, começou a rascunhar algumas histórias, até se dar conta de que dali poderia sair um livro interessante. Estava certo.

A primeira canção selecionada não poderia ser outra: "Viagem", feita aos 14 anos, sob reprimenda do pai, com o primeiro parceiro, o vizinho do bairro de São Cristóvão João de Aquino. "Isso não dá camisa a ninguém", dizia o pai, quando o via debruçado sobre a folha de papel compondo suas canções

Até hoje, "Viagem" é sua música mais gravada. "É um amuleto, o cartão de visitas da minha profissão, a que me rende mais direito autoral até hoje", conta Pinheiro.

Não foi, no entanto, a primeira a ser gravada. Esse posto é de "Lapinha", escrita para samba de Baden Powell. A parceria entre o garoto de 16 anos e o violonista e compositor consagrado o projetou e provocou ciúme violento em Vinicius de Moraes, o letrista dileto de Baden, então poeta admirado em todo o País.

Pinheiro conseguiu dobrar a vigilância do pai e caiu no circuito de bares do Rio na cola de Baden. Vinicius o olhava torto, e só anos depois viria a se tornar seu amigo. "A partir do início da minha parceria com Baden, a dele com Vinicius praticamente acabou. Eu não esperava essa reação dele", lembra Pinheiro, que nunca chegaria a compor com o Poetinha.

Com Tom fez "Matita Perê". Eles compartilhavam a admiração por Guimarães Rosa. Tom ouviu Sagarana, de Pinheiro e Aquino, num festival, ficou encantado, e o chamou a sua casa para mostrar-lhe um esboço de canção.

Escrito todo à mão, à sua maneira (ele não chega perto dos computadores da mulher e dos filhos, precisa do "contato da mão com o papel", especialmente na hora de compor), não em ordem cronológica, mas conforme ele ia se lembrando das histórias, o livro fala do nascimento de "Saudades da Guanabara", dele, de Moacyr Luz e Aldir Blanc.

Conta a dor em que estava imerso quando fez "Um Ser de Luz", para Clara Nunes, sua mulher, que havia morrido poucos meses antes - só aceitou escrevê-la diante da insistência do parceiro João Nogueira.

A melhor história é a referente a uma música pouco lembrada, "Pesadelo". Era o auge da ditadura e Pinheiro vivia às voltas com a estupidez dos censores. Um dia resolveu radicalizar e escreveu uma letra, para música de Maurício Tapajós, sem metáforas, direta ao ponto: "Você corta um verso/ eu escrevo outro/ Você me prende vivo, eu escapo morto". O MPB-4 prometeu gravá-la caso a canção passasse pela censura - o que parecia impossível. Solução? Mandá-la com o nome de um artista menos visado. A malandragem deu certo: "Pesadelo" foi aprovada por ter entrado na pasta de letras do LP de Agnaldo Timóteo na gravadora Odeon (os ditos bregas recebiam carimbo de aprovação). A música deixou a clandestinidade e ganhou espaço nos shows do MPB-4. Detalhe: Timóteo nunca soube da história.

MAIS INFORMAÇÕES:
Histórias das minhas canções - Paulo César Pinheiro
Leya. 256 páginas. R$ 44,90


ROBERTA PENNAFORT
DA AGÊNCIA ESTADO


Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=785542

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